domingo, 15 de março de 2009

todos os encontros, todos os poemas, todos os embates, todos os dilemas

E os dias foram ficando menores, a cidade mais bonita, as pessoas mais legais, outras mais estúpidas. O dinheiro na conta foi crescendo, a saudade ficando imensamente doída.
Vim trabalhar aqui com poucos planos. Ganhar dinheiro nunca foi prioridade, comprar o computador do qual escrevo agora, muito menos. A minha única intenção era vir ver, enxergar de perto o que é esse povo.
E vi.
No primeiro momento, o que mais me impressionou foi o quão amigáveis sao os ianques: cheios de conversa, cheios de sorrisos. Eu tentei, mas foi impossível calcular a quantidade de obrigados, de nadas, com licenças e desculpe-mes que ouvi e por força do hábito passei a repetir. A simpatia era tão grande que até ousei em pensar que não eram diferentes de nós. Com o passar do tempo, o tão famoso individualismo Americano foi ficando bastante explícito.
E as individualidades: boca com dente de ouro, boca sem incisivos, as bocas restantes de dente torto e sujo. Os estereótipos de Hollywood se mostraram como espelhos do que encontrei pelas ruas. Poderia descrever os 8 tipos de pessoas que se alternam pelo caminho. Separadamente, é claro. Porque branco não se mistura com negro que não se mistura com latino que não se mistura com banco. E ponto. Cabelo pixain eu não vi. Podia ser esticado, metade raspado e metade comprido, trançado ou com aplique de cachos, mas o sarará eu nao encontrei. Aliás, nao foram poucas as vezes em que fui parada com a pergunta: seu cabelo é verdadeiro?
Consegui distinguir facilmente americanos de brasileiros só pelo olhar. Em qualquer lugar, se eu avistasse alguém que enxergasse o seu redor, ja falava: Oi, voce é brasileiro? Em três tentativas, errei só com um argentino.
Também fui reconhecida por conterrâneos e por nativos. Advinhavam minha origem pelo modo de olhar, pelo sorriso, pelo sotaque. Ou pela bunda.
Termino esse período de trabalho muito feliz com o que aprendi, com o que comprei, com o que vi e com o que comi. Mas essa experiência é boa quando temporária, quando serve para sentir a tal da saudade de casa. Parto com saudade das brasileiras que tanto me ajudaram - e tiveram que pagar pela casa e pela convivência com minhas oscilacões de humor - do refrigerante e da comida de graça e da delícia que era ouvir Tom Jobin, Adriana Calcanhoto e Paulinho Moska tocando na rádio local de Sarasota.
Se eu voltaria pra morar? Dificilmente. Certamente engordaria tonaledas vivendo na terra do Ronald. E àqueles que rogaram todas as pragas quanto ao meu peso com a saudavel dieta Americana, sinto em nao poder dizer se engordei: as roupas parecem vestir do mesmo jeito, e a danada da balança em libras me deixa completamente perdida.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Água de beber


Brad Pitt acorda, dirige-se ao banheiro, pega o copo na pia, enche e vira.
Morando na América, servindo água da torneira todos os dias, não podíamos deixar de aderir ao hábito. Não que adorássemos a água encanada. O gosto meio amargo não era nem um pouco bom, mas depois de experiências variadas, percebemos que dava pra tapear gelando os galões. O gosto amargo passou. Talvez por vontade, talvez pelo costume. Ou talvez pela emissão de ondas da geladeira.
Por sessenta dias, quando a garrafa esvaziava, era só recorrer a pia e nossa sede tinha fim.
No 61º, saindo de casa, sou abordada no corredor:
Comunicamos que a partir dessa semana os moradores podem beber a água da torneira. Voces não precisam mais fervê-la. Sentimos muito pelo inconveniente e pedimos desculpas.

Ah, ta bom. Estou muito contente pela informação.
Mais contente ainda se eu não souber qual é o inconveniente.
É só não olhar para as obras no sistema de esgoto da rua.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Lady de bike: O fim

O Google maps é a nossa salvaçao há muitas semanas. O que nao salva é quem olha o mapa...
Vi o endereço do meu destino no nosso guia de cada dia e peguei o rumo. Ah, tranquilo, segue a avenida principal, vira a esquerda na casa do cacete e uma hora vai chegar.
E lá fui eu, leve e solta por 10 quilômetros. E o tal do lugar nao aparecia. Achei que estava errada, retornei. Retornei até o mercado, comprei uma lada de pringles e retornei a minha suada energia dispensada no caminho. Ah, delícia.
Delícia melhor foi reabrir o mapa e descobrir que tinha resolvido voltar quando faltava 500 metros pra chegar. Pedalei por vinte quilometros pra faltar um.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O retorno da Lady de bike


Diante da perspectiva de virar garçonete, assumi que precisaria de roupas pretas. Me programei para comprar algumas -- frustradamente, como todos os planos feitos por mim nesse lugar. Quando não é a chuva, é o frio, ou o vento, ou minha airbed que me maltrata mas de que nao consigo sair.
Naquele domingo, acordei tarde e - para variar - vi que tinha perdido a única linha de ônibus que me levaria ao shopping das lojas menos caras. Porque em dólar NADA é barato.
Dia de sol, qual a soluçao? A nossa vermelhinha matusalenica. Arrumo a famosa mochila da IE com os dólares suados e chorados e rumo ao Pavilhão. Pedala, Clarice!
Depois de mais de uma hora recheada de dúvidas (aaai, sera que eu ja passei do lugar? gente, como atravesso essa avenida?) alcanço o tal lugar.
Catando bastante até encontro algumas peças a um preço menos sofrível.
Eeeis que o meu mudo celular toca. Óbvio que é uma das Brasileiras. Atendo e...?
--Clarice, voce está com a minha mochila! A sua ficou aqui no chão, com suas coisas e a carteira. Dentro dessa só tem uma blusa embolada e suja.
Aah que delícia que foi voltar pra casa pelos 11 km de volta!
com a mochila vazia, sem roupa preta, sem dólar algum
e nem ao menos com a possibilidade de contar com o suporte do ônibus e pendurar a bicicleta.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Lady de bike


No meu primeiro dia aqui, quando saí do aeroporto, me recusei a pagar taxi e fiquei esperando ônibus.
O primeiro que passou era todo colorido e tinha uma bicicleta rosa e uma azul penduradas logo na frente. Eram cheias de adesivos do Mickey e da Minie. Pensei, achando o máximo essas coisas americaninhas: aaah, to na Flórida, isso deve ser ônibus temático, carro diversão pra levar os turistas pra Disney.
Mas logo vi que os adereços eram freqüentes, e tiveram que me explicar que aqui quem ta de bike também pode pegar ônibus (!).

Depois de várias ligações pro site que vende tranqueiras usadas, nós também conquistamos a super ladies’ bike: vermelha, grande, enferrujada, barulhenta e com freio daqueles de pedalar pra trás. Trinta dólares, divididos por três e com muita reclamação.
No dia de sol, resolvo não pegar o ônibus e ir até o mercado pedalando. Ó, que delicia o ventinho no rosto, a leveza de pedalar nas avenidas daqui vendo no chão a minha sombra. Distraída, em uma hora e meia de brisa(!) cheguei ao walmart.
Na volta é que ficou bom: A brisa suave vira vento contra, o sol que fazia sombra vira holofote no olho (olho sem óculos, ainda não tive coragem de pagar 100 dólares em um par), cada plaquinha do ônibus 12 pisca nos meus olhos, os banquinhos para esperar são um convite. Pedala, Clarice!
Depois do esforço, consigo retornar ao lar com as pernas dormentes, bronzeado super fashion de meia perna com marca de meia e uma caixa de sucrilhos e um sabonete na mochila.
Só por curiosidade, abri o mapa pra ver o quanto eu andei.
Doze quilômetros.
E doze pra voltar.
Os suportes pra bicicleta dos ônibus agora fazem o maior sentido.
Na próxima (?) vez, eu posso até ir de bike
mas a volta é de Ônibus.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Numa batucada brasileira


Uhn, em dia de sol eu vou é à praia.
Cheguei aqui com um livro do Paulo Francis e outro do Murilo Rubião, mas achei impróprio estar na terra do Tio Sam lendo livro em português. Entrando no sebo, começo a ver os títulos. Na parte de literatura contemporânea, acompanho os autores por ordem alfabética: Olha, que legal, vários do Mario Vargas Llosa! Ih tem Rachel de Queiroz! Ah, não podia faltar o Paulo Coelho. O mais surpreendente foi chegar à estante dos clássicos. Charles Dickens, Aristóteles, Balzac e...
Jorge Amado! Tieta, the tent of miracles, Jubiabá, um do lado do outro na mesma seção.
E agora, compro ou deixo na prateleira pra algum americano ver e se interessar?
Vou ler Baía em inglês?
No fim das contas, meu primeiro Jorge Amado foi comprado em dólares.
Eu jogada na areia de Siesta Key, sob o sol da Flórida,
imaginando a tal da Bay of all Saints.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Brazil


Brazileiros e brazileiras

(no ônibus:) – Brazil? Carnaval!
(no mercado:) – Brazil? Laranjas! Aqui nós vendemos laranjas brasileiras!
(na loja de roupas:) – Nossos óculos são de marcas brasileiras! (ah, claro. Aqueles de 10 reais em qualquer camelô.)
(no trabalho:) – Vi na TV que as mulheres mais sexy do mundo são as brasileiras.
(em casa:) – Clarice! Evita falar pela rua que é brasileira...

Cuma?
(companheira de trabalho:) -- Adoraria aprender a falar brasileiro!
(pela rua:) – Voce é Brasileira? E aí, como vão as coisas na capital, Bogotá?
(dono de lanchonete:) – Só vou te contratar porque você veio da Costa Rica.
Só pra constar: recusei o trabalho.